domingo, outubro 29, 2006

Marcas na areia

Ontem fui à praia e fugi da rotina cansativa do trabalho, das leituras e dos "pensares". Minha esposa fez questão de saborear o carangueijo do mangue, ciente de que, em breve, não poderá mais fazê-lo; é uma dessas coisas que só existem por aqui. Ficamos lá, conversando ... água de côco, caldo de peixe. Como é muito natural, passei a vista ao redor: algumas mesas vazias, um grande grupo de amigos à minha esquerda, dois casais à direita. Tudo tranquilo. Sábado típico na Praia do Futuro, em Fortaleza, como poderia ser hoje ou há 10 anos atrás: vendedores ambulantes, crianças fazendo castelos de areia, surfistas, garçons e clientes.

Resolvi molhar os pés na água do mar. Desci à beira; estava morna e o Sol se punha mais fraco. Pus-me a andar, observando meus pés que entravam na água e eram banhados pelas ondas mornas do verde mar. Nesta altura, lembrei-me das últimas preocupações que tive nas últimas semanas. "Estado", "globalização", "política". Parei e perguntei-me se estaria perdendo meu tempo à toa, sem algum motivo razoável para tanto empenho em tratar essas coisas. Observei o mar e me dei conta da minha pequenêz. "Sou apenas uma pessoa", refleti, "porque haveria de me preocupar com coisas que fogem ao meu controle? Como é que posso lutar contra todas essas injustiças do mundo? Quem sou eu a ter tais pretensões?". De repente, me senti aliviado. Estava concluindo que não era de minha alçada pensar nos problemas do ser humano e que, na realidade, havia sido tomado por uma inspiração qualquer que tinha me afastado dos meus reais interesses enquanto indivíduo. Recomecei a caminhar na borla das ondas. Olhei adiante e vi pessoas bebendo e dançando ao som do "amável Axé Music". Sorri.

A vida é feita de coisas simples, prazeres momentâneos e distrações fugázes. As pessoas não buscam algo mais que felicidade e bem estar. O que todos desejam é ter momentos de prazer e ir levando a vida, numa boa e sem estresse. Dez minutos e já estava voltando à mesa, aonde Monika lia a epopéia polonesa. Compartilhei com ela meus pensamentos. Falei da beleza da natureza brasileira e das facilidades que o povo aqui encontra para viver, sem guerras, sem as durezas do inverno frio, na terra aonde tudo o que se planta dá. Disse que tinha me esquivado da vida prazeirosa, preocupado com coisas secundárias. Ela me olhou séria e observou: "Se todos páram de reclamar, se ninguém faz nada e tudo segue por uma 'lógica própria' ou 'mão invisível', a humanidade coloca o seu destino à sorte e não age enquanto ser racional". Falou-me da miséria que viu aqui, refletiu acerca dos perigos que existem numa frágil e recente democracia brasileira, alertou o fortalecimento das idéias extremistas (tanto dos neoliberalistas, quanto dos comunistas), viu a degradação ambiental como um grave problema e, acima de tudo, que a classe política brasileira não está realmente comprometida na defesa do Meio Ambiente (natural e social) porque tem uma agenda irrealizável: cultura, educação, economia, social, segurança, meio ambiente, defesa, políticas interna e externa, etc. Calei-me, pensei e procurei mudar de assunto, para não retornar ao estado de seriedade que estragaria meu lazer litorâneo.

Quando retornei ao lar e depois de organizar as coisas para o recomeço da jornada de trabalho semanal, voltei meu olhar para fora da janela. Olhei em direção ao mar e reestabeleci meus pensamentos e responsabilidades acadêmicas e intelectuais na defesa dos princípios que trago enquanto pessoa. Os princípios dirigem os meios à consecução de finalidades; é, portanto, o início de toda ação humana que tem valor. Os valores que julgo serem relevantes e imprescindíveis é que dão sentido à minha existência, daí ser tão importante a defesa e luta para que sejam protegidos; uma vez defendendo os direitos humanos, a proteção ambiental, a igualdade nas relações econômico-sociais, o diálogo, estarei defendendo meus semelhantes e meus próprios interesses - estarei defendendo minha personalidade jurídico-social. Não vou ao ponto de confundir autruísmo com amor-próprio, porque, na realidade, não estava disposto a filosofar. Apenas chamo a sua atenção para o texto do brasileiro Eduardo Alves da Costa, escrito em tempos em que não era apropriado "falar demais", transcrito a seguir, com o qual me despeço deste escrito:

"No Caminho, com Maiakóvski"

"Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira
noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!"

quinta-feira, outubro 26, 2006

A "oportuna" análise do The Economist

Reforçando a idéia de que se desenha um País ingovernável, o jornal BBCBrasil (sucursal da British Broadcast Company londrina), em matéria publicada hoje, faz citação da reportagem publicada no jornal britânico The Economist, acerca da atual campanha presidencial. Relatando, "oportunamente", os casos de corrupção no qual estaria envolvido o atual Presidente da República, chegando a ser irônico em afirmar que "houve paz no governo Lula, como houve neve na Amazônia".

Em que pese o senso de humor britânico, as afirmações do jornal não estão à brincadeira; tratam de assunto sério, de soberania nacional: nossa economia. Estes dois periódicos supra citados, jornais de circulação internacional e digital, estão alinhados numa política que não esconde seus reais interesses: o de continuidade de uma "abertura econômica" que propicie ao País um crescimento econômico ajustado ao ocorrido em outros países em desenvolvimento (sic). Mas, vejamos o que se esconde por trás das falaciosas boas intenções dos economistas que encaminharam a proposta ao público leitor de língua portuguesa.

As boas aulas de Economia e de Direito Econômico tiveram algum proveito no que agora se vai descortinar. Crescimento econômico, na linguagem científica, é o incremento do Produto Interno Bruto (PIB) ou Produto Nacional Bruto (PNB), através do aumento da riqueza total produzida durante o ano econômico - que, no Brasil, começa em janeiro e se encerra em dezembro, quando se fazem as avaliações da balança de pagamentos ou balança comercial e de outros indicadores econômicos. Crescer, no jargão da ciência chamada Economia, significa aumento de produção, aumento de lucro, aumento da riqueza produzida. Ora, se estamos fazendo a leitura correta, fico feliz que o Brasil não tenha crescido mais de 2% - principalmente quando é comparado à Argentina (que já estava à beira da falência) e à China (reconhecidamente, um país de produção e de acesso à riqueza de forma autoritária e totalitária). O que ocorreu aqui foi desenvolvimento. Desenvolvimento, ainda na linguagem econômica, é a transferência de uma parte do crescimento do PIB/PNB para a área social: a melhoria do nível e da qualidade de vida da população é que agrega ao crescimento um valor que o transforma em desenvolvimento. Fique feliz, caro leitor, por seu País (Brasil) não ter crescido como desejavam The Economist e BBC (Grã-Bretanha). É muito natural que seja assim, a postura destas companias de telecomunicações, tendo em vista ser a Grã-Bretanha um país que pratica o neoliberalismo - com a intervenção mínima do Estado nos assuntos sociais, que garante total liberdade ao capital. O Brasil, por sua vez e contrariamente, é um país que foi constituído num Estado Social e Democrático de Direito, visando efetuar correções intervencionistas capazes de diminuir a miséria de mais de 52% de sua população e que não pode deixar de cumprir este compromisso social, sob pena de jamais se desenvolver economicamente.

As boas lições de Direito Constitucional, colhidas em Paulo Bonavides, Humberto Cunha, J. J. Gomes Canotilho, José Afonso da Silva e tantos outros, também vem corroborar o que aqui se delineia. Como bem o sabe todo primeiranista da Faculdade de Direito, os direitos fundamentais da pessoa humana são um conjunto de valores que protegem o ser humano enquanto sujeito de direito. Essas garantias, uma vez positivadas, representam uma defesa do indivíduo contra os abusos da vida em sociedade, já que podem ser argüidos juridicamente. Então, convém relembrar as dimensões desses direitos fundamentais: de primeira geração ou dimensão, trazendo os direitos à vida, à liberdade, à propriedade privada, de inspiração liberal - do período em que o Estado era inimigo do indivíduo (Estado absolutista); direitos de segunda geração ou dimensão, em que o Estado coopera com a sociedade para garantir acesso aos bens materiais, oriundos da produção, com um mínimo de proteção ao direito daqueles que realmente produzem a riqueza (os trabalhadores e seus direitos sociais); os direitos de terceira geração ou dimensão, que são difusos e coletivos, zelando por todos os interesses não-individuais que são garantes da continuidade da própria sociedade. Fala-se de direitos de quarta dimensão ou geração, na doutrina inovadora, mas até que sejam positivados, ainda são apenas princípios informadores do Direito enquanto Ciência - como bem adverte o Doutor em Direito Humberto Cunha. Ainda, em tempo, adotar-se-á o termo "dimensões", tendo em vista a nova gama de direitos que surge no ordenamento jurídico não por fim àqueles que os precedem, mas, sim, aumentando a esfera de direitos que se estabelecem na ordem jurídica.

Ora, perceba-se que, uma vez organizados em dimensões, torna-se premente ao jurista compreender que os direitos das dimensões posteriores são melhor implementados com a adoção dos primeiros. Explica-se: para que o Estado possa zelar dos reais interesses da sociedade, seu poder deve sofrer limitações de segurança pessoal dos indivíduos frente ao Estado, com o estabelecimentos de limites ao Poder estatal; daí estarem assegurados os direitos à vida, à liberdade e à propriedade privada, pois são o espaço mínimo para que o indivíduo possa constituir a sua personalidade jurídica e econômica. Assim procedendo, tem o Estado condições de intervir nas relações entre os indivíduos; daí, ele coloca limites à força econômica daqueles que controlam os meios de produção, estabelecendo garantias aos hipossuficientes (trabalhadores), que serão observadas pelos empregadores - com o salário mínimo, por exemplo - e pelo Estado - com a proteção dos aposentados que já contribuíram para o crescimento da riqueza nacional, com a educação das crianças, que também serão futuros trabalhadores, com a proteção do trabalho da mulher, que pode ficar grávida, e assim por diante. Tendo feito isso, ele vai se preocupar com o meio ambiente, com os direitos dos consumidores e uma outra infinidade de bens jurídicos que devem ser protegidos. À esta altura, tem que se dizer que se está a falar de um Estado que atua sob a égide do sistema capitalista de produção; se a revolução comunista tivesse vingado, se a economia planificada do socialismo tivesse resistido à "Guerra nas Estrelas" e à especulação financeira e tecnológica do mundo capitalista, ou, ainda, se o Estado já fosse coisa do passado, como propõem os anarquistas, não se estaria perdendo muito tempo com esta ladainha. Porém, tendo em vista o status quo e o interesse na manutenção das regras do jogo, deve-se clamar pela justiça que acompanha o interesse das pessoas humanas em alferir a promessa que lhes é feita, mediante tanto sacrifício que a vida nesta sociedade demanda. Que as regras do jogo sejam claras e iguais para todos.

Na qualidade de cidadã, toda pessoa deveria ser informada e manter-se atualizada deste contexto, aqui descrito. Contudo, seria uma realização utópia; o apego à questões emergenciais obriga o jurista a tratar o conflito de interesses de forma prática. Então, veja-se que a atual política econômica brasileira trás respostas às necessidades brasileiras: a manutenção de um Estado voltado ao cuidado com sua população que, na grande maioria, é pobre. Precisa-se, primeiro, fazer uma reforma social, porque a primeira reforma, que cuida daqueles direitos liberais - propriedade, vida, liberdade - já foi implementada. Afinal, não é o Brasil um país capitalista? É imperioso reconhecer que a prioridade da nação é realizar os direitos de segunda dimensão, com a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, do operariado, sob pena de aumentar o fosso que separa ricos e pobres, que "achata" a classe média (ou pequena burguesia) e que impede que se realize, neste País, a tão esperada justiça social. Ainda, deve-se evitar o uso de expressões do tipo "desprezar o Centro-Oeste e o Sul", porque tal afirmação levaria o leitor incalto a imaginar que estaria havendo alguma Região brasileira; na realidade, o Brasil tem que buscar o desenvolvimento do Norte e Nordeste, para que se cumpra a promessa do pacto federativo que alimenta e estrutura este Estado soberano - senão, ganha cada vez mais força a idéia de separação estatal, que passaria a não ser uma idéia exclusia dos sulistas... O Brasil precisa efetuar a integração nacional, com a paulatina eliminação das desigualdades regionais e do tratamento econômico que privilegia determinados Estados da Federação.

Neste caminho, a defesa da escolha popular é imperativa. Como se falou antes, o Brasil é Estado Social e Democrático de Direito. Isso significa que o Estado zela do social, garante a participação popular no governo através da democracia e, por meio desta participação, elabora o sistema de normas jurídicas que determina as condutas a serem praticadas e evitadas, no caminho à concretização dos interesses e fins do Estado. Desenvolver-se, neste tom, é evitar o crescimento; porque, se crescimento só beneficia o acúmulo de riquezas, desenvolvimento garante a vida e, diga-se, vida com dignidade.

Publicado por A.T.P.

P.S.: Foi bastante oportuna a reportagem do The Economist, porque incentiva os leitores atentos a procurar a verdadeira mensagem por trás da notícia: este País não está à venda! E boa noite.

terça-feira, outubro 24, 2006

Golpe à vista?

Os últimos episódios da corrida presidencial revelaram um quadro preocupante: o vilipêndio das instituições democráticas, via ataques verborrágicos inconseqüêntes da oposição extremista brasileira. Na análise teórica dos atuais fatos e histórica do passado recente, vê-se que achincalhar e denegrir a imagem do Presidente da República, chamando-o de "mentiroso", como fez Geraldo Alckmin, ou de "ladrão", como fez irresponsavelmente e desequilibradamente a senadora Heloísa Helena, são comportamentos que comprometem os escassos 18 anos duma democracia que acabou de se instalar nesta República.

Não se pode esquecer o seguinte: o atual Governo é a representação da vontade popular, da vontade geral; o povo brasileiro, por maioria esmagadora, elegeu seu Presidente em 2002. Ponto. Ele foi escolhido através do sufrágio direto e secreto - conseguido a duras penas pelo esforço das esquerdas democráticas brasileiras, sempre contra o autoritarismo industrialista das elites econômicas nacionais e internacionais; todo o processo democrático tupiniquim esbarrou e ainda é freado pelos interesses imperialistas e latifundiários das oligarquias "seculares" que aqui se instalaram, amparadas pelos interesses de poderosas empresas multinacionais - sempre encontrando "portas e sorrisos abertos" da medíocre elite industrial brasileira. Sem dúvida alguma, nas conquistas democráticas e na defesa do sufrágio, nomes se insuflam na História desta Nação, tais como: Luiz Carlos Prestes, José Bento Monteiro Lobato, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Mário Covas, Pedro Simon, Luis Inácio "Lula" da Silva, Aloísio Mercadante, dentre tantos outros. Homens de fibra e caráter que, em momentos distintos e, seja com apoio de idéias liberais, seja com apoio de ideologias comunistas ou humanistas e libertatórias, lançaram as bases de "projetos para o Brasil", de identidade nacional e participação popular: diminuição da miséria, integração nacional, crescimento do parque industrial, novas vagas de trabalho e emprego, salário mínimo e proteção social, e assim por diante. Neste diapasão, seja como for, deve-se reconhecer que não se trata, aqui, como se pode ver, de qualquer crítica partidária - que se pode submeter qualquer um dos atuais partidos políticos brasileiros, tendo em vista estarem todos infestados de facções políticas, o que dificulta, inclusive, o posicionamento ideológico deles, fato que se demonstra, por exemplo, na ruptura recente sofrida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que deu origem ao Partido Socialismo e Liberade (PSOL), que antes representava uma ala de extrema-esquerda marxista-leninista dentro do PT. Ou, ainda, a clara divisão que existe dentro do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido de "centro" no qual, como se vê, encontram-se, lamentavelmente, elementos da extrema-direita que lutam arduamente para reestabelecer um regime autoritário fascista no território brasileiro.

Com efeito, impolutos homens do capital brasileiro estão articulando e dizendo, às claras, que se o sufrágio popular do próximo domingo re-eleger o atual Presidente da República, não haverá governança. Ora, a afirmação, por si só, força o atual Governo, caso vencedor, a fazer novas alianças - que enfraquecerão o seu poder de ação, tendo em vista as consessões políticas que deverão ser feitas às ações que pretenda o Governo Federal. Ainda, a ameaça de que, uma vez eleito, não será empossado ou sofrerá impeachment, representam inegável ameaça de golpe de Estado. Ora, não é à toa que Geraldo Alckmin, recentemente, foi chamado de "Pinochet". A base em que se funda a candidatura da atual e inconformada oposição é o conservadorismo das elites latifundiárias e oligárquicas da Federação; observe-se que, pela força econômica e midiática que se encontra apoiante ao PSDB, foi necessário ao PT fazer uma aliança antes inimaginável (!) com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Pensava-se, até poucos dias, que a "tradição golpista" da direita brasileira já havia sido superada. Veja-se que não. É inadmissível, portanto, que o povo assista de braços cruzados o que poderá vir a ser um novo atentado à democracia brasileira e imperioso que a esquerda responsável e equilibrada deste País se reúna em defesa e proteção não só da escolha popular que se desenha e está prestes a se confirmar, próximo dia 28 de outubro de 2006, mas, também, em defesa das instituições democráticas que se levantaram neste solo gentil, pátria amada, Brasil. Então, se a suposta "direita moderada", representada do Partido da Frente Liberal (PFL) e Partido Liberal (PL), está a pedir cabeça, tórax e membros do atual Presidente da República, nada mais natural que o povo seja chamado às ruas em defesa do seu patrimônio político-cultural, haja vista a impossibilidade de retorno ao período em que os trabalhadores e, porque não dizer, a esmagadora maioria da população brasileira esteve sob o domínio dos partidos autoritários que outrora governavam majestosa e imperiosamente a República. Ainda, para que este País seja verdadeiramente uma República, necessário se faz que a coisa seja pública! O Presidente não é um homem de negócios ao serviço do empresariato nacional; antes de tudo, é homem do povo, representante da Nação, retrato da alma popular (Volksgeist), mantido legítima e legalmente pela Constituição. Fala-se, agora, que seu mandato não anda incólome, frente aos escândalos e "falta de ética" em suas ações. Pois que sejam todos investigados e processados com o uso do devido processo legal! No ordenamento jurídico desta República impera o princípio da presunção de inocência, exige-se instauração de inquérito policial, inicia-se o processo criminal e, ao final de todas as averiguações, havendo culpa, os acusados deixam de ser inocentes e passam a culpados. Este é o procedimento. É assim que as coisas são feitas no Estado de Direito.

Este texto não trata de nenhuma posição extremista de esquerda, nem de esquerda por fim. É um apelo ao debate aberto, à co-existência e cooperação entre elites econômicas e trabalhadores. O Capitalismo venceu, o Socialismo sucumbiu. Não existe mais espaço para uma luta selvagem entre direita e esquerda, mas projetos que devem ser levados a cabo por meio da democracia. As "regras do jogo" e o Estado de Direito devem ser respeitados, a negociação entre patrões e empregados deve continuar para o bem da humanidade. A direita precisa respeitar a esquerda, e a esquerda precisa se "comportar adequadamente" e não cometer os erros que prometeu combater. Afinal, não existem mais esquerdas e direitas: existe democracia.

quarta-feira, outubro 18, 2006

A violência e a extrema-direita no Brasil

Os grupos de extrema-direita têm visto seu poder de convencimento crescer nos últimos tempos, devido à falta de políticas públicas suficientes no combate à violência. Em qualquer época da História é possível estudar os efeitos da violência na aceitação das regras sociais de tolerância, uma vez que o sentimento de desamparo da população revolta-se contra o "estado em que as coisas se encontram" e propõe uma revisão do contrato social. Nesse caminho, os setores mais influentes ou poderosos da sociedade aproveitam a oportunidade para lutar pelo poder e propor um novo modelo social, que seja capaz de afirmar uma hegemonia daquela classe dominante e torná-la "absoluta", ou melhor, invencível.

E o que ocorre no Brasil e no mundo? Bem, o sistema econômico predominante criou um gap social que desparou o gatilho do desespero em diversos setores e, por quê não dizer, em diversas sociedades pobres ao redor do planeta. Tendo a força de impor um retrocesso nas idéias de sustentação da produção material na sociedade pós-moderna, o Capitalismo atual reestabeleceu sua hegemonia e, afirmando-se como a única solução possível para o desenvolvimento da humanidade, trouxe de volta as regras da não-intervenção e do esvaziamento das políticas públicas, deixando as relações jurídico-econômicas dos particulares ao deus-dará e às regras do livre mercado.

Ora, bem conhecido é o fato de que os proprietários dos meios de produção poderem suportar melhor qualquer adversidade econômica, tendo em vista que possuem provisionamento suficiente para esperar pela reestruturação da economia; têm o capital e valores financeiros bastantes e, ainda, o apoio velado do sistema que trabalha em função da perpetuação desse regime. Os trabalhadores, entretanto, não possuem outra coisa senão a sua força de trabalho; seus braços estão aptos à produção e somente dela podem retirar sua riqueza; estando estagnada a produção, de nada valem suas mãos e intelecto, mas apenas esperar pelo reestabelecimento das condições de trabalho que são impostas pelo empregador. A relação juslaboral traz incipiente essa tensão e ligeira pré-disposição ao conflito de classes: o patrão precisa assegurar o lucro e o empregado precisa lutar pelo valor do salário.

Quando o Estado esvazia sua atuação neste setor em comento, o conflito eclode rapidamente, pois a massa de trabalhadores sente-se injustiçada e desamparada. Ainda, nesta linha de raciocínio, o aviltamento das economias dos países pobres tem sido a única forma capaz de efetuar uma correção na degradação econômica dos países ricos que optaram por esta postura econômica desastrosa: o neoliberalismo. Com isso, retorna à plena força a geopolítica de imperialismo econômico, forçando as economias mais fracas a aceitarem as regras impostas verticalmente; aumenta-se o fosso entre os países ricos e pobres e, aliado a isso, cresce o sentimento de injustiça e a intolerância entre os povos, sem olvidar-se o fato de que, internamente, os níveis de violência atingem índices assustadores; a pobreza e a falta de emprego têm ligação direta com o fenômeno acima descrito.

Neste contexto, os mesmos grupos ideológicos e econômicos responsáveis pela manutenção do status quo vislumbram a possibilidade de propagação de idéias extremistas, uma vez que as condições sociais são propícias à condenação deste ou daquele modo de vida, deste ou daquele posicionamento político, ou deste ou daquele grupo social. Que o digam lá os nazistas alemães do século passado, que encontraram no povo judeu a explicação para todas as mazelas econômicas daquele país, naquele período. E isso se repete e se propaga, hoje, à uma velocidade bastante superior: no Oriente Médio, na África, Ásia, Europa, Américas e Oceania. De todos os lados, vê-se o recrudecimento da intolerância e o desrespeito aos direitos humanos fundamentais, amparados pelo discurso extremista de partidos políticos e grupos de pressão que encontram o respaldo necessário para seu fortalecimento na situação de injustiça social na qual se encontra imersa a sociedade política. Quem perde com isso? Não são apenas os "perseguidos" que pagam caro por essa conduta oportunista; toda a sociedade acaba sofrendo os efeitos dessa instabilidade, uma vez que os valores morais que trazem uma certa paz são feridos de morte, mesmo que essa paz se dê num sistema de produção que traz desigualdade e injustiça no acesso aos bens materiais.

Se fosse elaborada uma proposta de reestruturação do modelo de produção, não haveria tanta preocupação nestas linhas. Mas, na realidade, o que se vê é o desejo de manutenção do capitalismo, cada vez mais selvagem e predatório e a diminuição da capacidade social de manifestar sua insatisfação. O crime e a pobreza, vis-à-vis, estão intimamente relacionados; a par das manifestações criminosas que têm suas origens nos desvios patológicos de comportamento, é evidente a existência de condicionantes psicossociais no cometimento de crimes: crimes de origem subjetiva, como a defesa de valores morais, religiosos, dentre outros. Assim, abre-se espaço para a condenação de grupos e pessoas que não se encaixam dentro de certas adequações morais, propiciando o fortalecimento de uma moralidade seletiva, que passa a perseguir minorias incapazes de se defender dos apelos propagandísticos que os servicia: afro-descendentes, nordestinos, homossexuais, mulheres, "comunistas" e assim por diante. E as penas propostas põem por terra valores que foram garantidos por normas jurídicas que têm por destinatários todos os homens e mulheres da raçã humana; é a violência contra a violência, e o "remédio" proposto varia de acordo com a força desses grupos de extrema-direita: prisão perpétua ou de caráter humilhante ou degradante, pena de morte, trabalhos forçados, confissões mediante tortura, e outras.

Numa estrutura como esta, não se tem a quem recorrer. As instituições estatais são deveras frágeis ou incapazes de solucionar o problema da segurança, uma vez que estão desprovidas de recursos orçamentários e de autoridade discricionária capazes de efetuar as correções que a sociedade necessita. A burocracia é uma arma a favor das organizações criminosas, pois o Estado, mesmo dispondo de aparatos públicos ao contra-ataque, não consegue ser tão célere na execução de planos de ação tão logo se perceba uma manobra criminosa em larga escala, tendo as organizações criminosas uma logística superior a do Estado, no que pertine à capacidade operacional. No plano internacional, os países ainda se encontram num estado de anarquia, carecendo de uma entidade supranacional que seja capaz de responder às crises sociais no plano global, que estouram basicamente por meio de revoltas armadas contra a população indefesa - o ataque de civis é sempre um fator de desestabilização de qualquer governo. O Direito não parece acompanhar o ritmo de mudança que é sentido nas gerações que surgem, vez que os juristas se apegaram aos valores ritualísticos e procedimentais que tornam difícil a aplicação das normas jurídicas e a conclusão de uma síntese que ponha fim aos conflitos sociais. Além disso, esse mesmo Direito está, muitas vezes, enraizado na defesa da estrutra de poder que garante à pequena parcela dominante um poder que condena a maioria às piores condições de vida, ou senão, à realidade material insuficiente de garantir a dignidade humana à massa menos favorecida.

Portanto, se a extrema-direita encontra forças para a propagação de suas idéias, é porque existe todo um terreno favorável à semeadura. Se isso acontece em países de forte tradição democrática, como França e Áustria, o que dizer de pseudo-Repúblicas como o Brasil. "Pseudo" porque aqui a res não é pública ainda, exatamente pela interferência desses grupos de pressão que remetem a realidade brasileira ao período da "ordem e progresso" a qualquer custo, ou "propriedade, família e progresso", ou qualquer outra "trindade salvadora" e marginalizante. Educar o povo é a única salvação contra esses verdadeiros terroristas.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Privatização: ameaça ao Estado social democrático de Direito

Não vamos conceituar Estado. É essa Instituição pública que coordena a vida política de uma sociedade qualquer. Mas saber suas atribuições é uma tarefa mais complexa do quê definir o quê é Estado, tudo porque há interesses políticos diversos nas variadas classificações científicas que tratam as finalidades e fins do Estado.

Definindo-se como um país capitalista, por meio da defesa da liberdade conferida aos indivíduos para exercerem suas atividades profissionais sem a interferência do Estado, ficou convencionado, através da Carta Política de 1988, que o Brasil (a Federação, o País, o Estado) tentaria realizar o bem estar social, por meio de diversos mecanismos práticos inscritos no Texto Maior e que se convertiam, na altura, em medidas de caráter obrigatório: deveres sob tutela do Estado, que iria atuar para a concretização dos direitos a eles inerentes. Em outras palavras, sendo um país com sistema de produção capitalista, o Brasil se propunha a melhora das condições de vida de toda a sociedade - e não apenas dos ricos, da elite capitalista que goza de status civitatis diferenciado no acesso aos bens da vida material.

Mas, como o Estado pode atuar para garantir a melhoria do nível de vida de todos os cidadãos (e não apenas dos ricos)? Existem várias soluções de caráter interventivo, que autorizam o Estado a participar de diversos tipos de atividades econômicas em exercício supletivo ou complementar à atividade dos particulares. Assim, para realizar o bem estar, o Brasil prevê sua participação nos mais diversos setores, desde a Educação até a Saúde, sem dúvida em claro apelo às políticas intervencionistas do Estado de bem estar social. Aqui, entretanto, não se vê utilitarismo algum, mas apenas uma atividade supletiva, de caráter solidário, que está prevista no preâmbulo constitucional. Mas, qual a ligação dessa estrutura de Estado com as empresas públicas? As empresas públicas foram criadas nos moldes do modelo econômico keynesiano, fazendo com que o Estado interviesse na Economia para prestar os serviços públicos que não interessavam (não eram lucrativos) ou exigiam custos demasiados para sua implementação aos burgueses (que naturalmente exploram a economia produtiva em busca de resultados favoráveis economicamente). Esse tipo de inserção do Estado nos assuntos da Ecomomia fica conhecido pelos monetaristas como "argumento das indústrias nascentes", que prega a intervenção estatal até um ponto de equilíbrio em que os privados podem desempenhar aquelas funções por conta própria. A privatização é um recurso jurídico que torna capaz esse repasse de funções do regime público para o regime privado, corrigindo uma distorção de natureza econômica que reestabelece a prestação de serviços àqueles que, por natureza, devem desempenhá-las.

Entretanto, veja-se que existem alguns setores de prestação de serviços e produção e alinação de produtos que não se constituem numa atividade econômica naturalmente particular, por envolverem interesses eminentemente públicos. Vamos à constatação da relevância pública ou privada que justifica essa classificação. Primeiramente, deve-se verificar a identidade entre a prestação de determinado serviço com um direito fundamental da pessoa humana; havendo uma ligação finalística entre um serviço e um direito essencial à pessoa humana, pode-se dizer que há interesse público relevante e indeclinável na prestação desse serviço, sem o qual um indivíduo pode ficar privado do acesso à bem jurídico que torna possível a defesa de sua dignidade. Secundariamente, mas não menos importante, deve-se observar se a descontinuidade do serviço pode apresentar grave distúrbio à paz e à ordem sociais, vez que sua continuidade é tarefa sublime que impede a consideração de meros interesses financeiros na sua exploração. Por fim, deve-se observar se existem mecanismos de mercado que tornam possível a concorrência sadia do setor, para que os possíveis consumidores não se tornem vítimas do apetite voraz inerente à noção de lucro. Devem existir vários outros argumentos, mas estes são os que nos socorrem no momento. Veja-se o exemplo da água. Bem essencial à sobrevivência humana, a descontinuidade de sua oferta pode acerretar (e acarreta) grave distúrbio à ordem social, vez que não há condições possíveis de sobrevivência sem esse bem tão precioso, que torna capaz a existência e continuação da vida orgânica - visto ser solvente universal aonde ocorrem as reações químicas de natureza orgânica. Óbvio constatar, portanto, que um ser humano privado do acesso à água virá, infalivelmente, a falecer. Água, portanto, é bem público essencial e jamais pode ser observado como mercadoria de troca susceptível de uma exploração imoderada e, sem dúvida nenhuma, que coloque o interesse privado sobre o público; o acesso à água é de interesse social, não se justificando a sua exploração por particulares sem uma atuação estatal que seja capaz de levar este bem até aonde os privados não tenham interesse em investir num empreendimento e até aonde ele é necessário para sustentação da própria vida.

Eis o mistério da fé: convencer alguns setores da sociedade de que não é possível que eles imaginem a privatização de bens que tem natureza pública pelo fato de serem essenciais. Algumas pessoas, principalmente na classe média, tendem a imaginar um mundo melhor aonde praticamente não exista atuação estatal na economia, embalados por duas quimeras: 1) a possibilidade de, num sistema liberal, eles mesmos serem co-partícipes da exploração dessas atividades econômicas e 2) por achar que o Estado burocrático utilitarista (é assim que o classificam, erroneamente) tem funções mínimas que estão dissociadas da prestação dessa espécie de serviço. Em ambas as situações fica demonstrado o ledo engano a que esses setores se submetem, seja por interesse próprio ou por desconhecimento científico do tema. Cumpre dizer que a exploração de atividades desempenhadas pelo setor público demanda investimentos que fogem àqueles que podem ser realizados por pequenos ou médios grupos econômicos; são de tão larga monta que só podem ser desempenhados por grandes empresas de escala global, como a Coca-cola, por exemplo. Ainda, veja-se que esse Estado burocrático está superado por conta da nova realidade social, sendo necessário que cumpra eficazmente todas as obrigações constituídas no ordenamento jurídico, sob pena de responsabilização daquelas pessoas incumbidas de realizá-las. Um Estado não tem funções mínimas: ele se adequa constantemente para realizar o mais plenamente possível todas as condições necessárias para que os seres humanos que vivem sob sua tutela e controle possam desenvolver todas as suas potencialidades, diante de todas as dificuldades dessa existência humana. Não que exista um comprometimento do Estado com cada indivíduo, o que seria um absurdo do ponto de vista prático, mas que devem haver um mínimo de garantias para que essas personalidades possam atingir um nível digno de vida.

Nesse contexto, a privatização do patrimônio público é uma atividade que entra em choque direto com o interesse social que direciona a publicização de algumas áreas de prestação de serviços à população de algum país. Privatizar é uma atividade relevante aonde existem condições isonômicas de acesso aos bens materiais numa determinada sociedade; daí terem ocorrido em massa - mas não em todas as áreas (!) - no continente europeu. Existem reservas legais que impedem o interesse de privatização, inclusive nos países mais ricos - quiçá no Brasil. Recomeçar o processo de "minimalização" do Brasil é um retrocesso inaceitável, tendo em vista que esta nação ainda não realizou plenamente os direitos de segunda dimensão (ou geração) que foram caracterizadores de um capitalismo "solidário" em todo o mundo ocidental; a Constituição de 1988 se propôs a garantir esse modelo de Estado de bem estar (Welfare state), mas logo os primeiros governos liberais trataram de violar os preceitos constitucionais com as medidas de praxe que caracterizam essa ideologia: privatizações, desregulamentação de diretos sociais e assim em diante. O que causa medo a direita no País é a atual falta de controle sobre os bens públicos, que não mais podem atender aos interesses dos privados e, assim, "fazem falta" na hora de definir uma política pública de "defesa do mercado produtivo nacional" que, trocando em miúdos, é o desapego do Estado às questões sociais e um compromentimento dos chefes de gabinete com os interesses de uma pequena (quatitativamente e moralmente) elite financeira.

O processo de privatização, portanto, se destina à atividade que é secundária ao interesse social, não garantidora de direitos fundamentais e que até se aconselha seja dirigida pela iniciativa privada. A única dificuldade é saber como demonstrar que um determinado serviço é ou não uma atribuição do Estado ou tem ou não uma finalidade social. Mas deve-se ter em mente que o Estado não se destina, apenas, às atividades legislativa, executiva e jurisdicional. Ele deve intervir, substituindo os particulares todas as vezes que isso seja necessário à manutenção da ordem social - inclusive, diante do argumento das indústrias nascentes, deve desenvolver atividades econômicas que demandam investimentos que os privados não podem fazer. Senão, muito mais vale um absolutista no Poder, porque, em tese, nesse tipo de Estado não se pode fazer nenhuma escolha de atuação estatal que não seja pessoal, imperando a vontade de um.

sábado, outubro 07, 2006

A Constituição cidadã e os direitos adormecidos, por Francisco Jório Bezerra Martins*

Quando do surgimento de nossa Constituição Federal (CF) em 5 de outubro de 1988, fechou-se a porta do ciclo de transição do período autoritário para o democrático. A preocupação era inserir e assegurar a efetivação dos direitos e garantias no novel texto constitucional. A relação de direitos é extensa e não se esgota com o que está disposto no rol exemplificativo do artigo 5º, podendo sofrer acréscimos, seguindo as regras constantes do próprio dispositivo.

Se a (CF) serve como veículo consagrador de direitos do povo, nada mais óbvio de se imaginar que os direitos trazidos pela Constituição, sejam imediatamente usufruídos pelos cidadãos. Correto? Infelizmente, não é bem assim. Explico.

Alguns direitos estampados em nossa Carta Magna podem ser experimentados sem qualquer atividade específica do poder público, por exemplo, a liberdade de expressão. Não precisamos de lei disciplinadora deste direito para sabermos que podemos livremente expressar nossos pensamentos. Todavia, outros direitos, precisam ser regulamentados através da atividade legislativa. Isso significa dizer que somente após edição de lei disciplinadora, poderá o direito ser gozado.

A este tipo de redação dada a uma norma constitucional, denominamos de norma de eficácia limitada. A limitação decorre justamente da ausência de lei que venha a regulamentar um direito já previsto. Após a edição da lei, o dispositivo constitucional começa a produzir efeitos e podemos usufruir e exigir o cumprimento do direito.

Felizmente, o nosso legislador constituinte prevendo a morosidade do Congresso Nacional em elaborar as leis, trouxe um instituto jurídico para tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania ante a falta de normas regulamentadoras. Trata-se do Mandado de Injunção (MI), disposto no inciso LXXI do artigo 5º. Esta ação constitucional serve, por exemplo, para concretizar o direito de greve dos servidores públicos, a participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados das empresas, dentre outros, todos carentes de lei que os regulamente.

O curioso é, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), que o MI igualmente necessita de uma lei que o regulamente! Felizmente, o mesmo tribunal entendeu ser o MI auto-aplicável, como de outra forma não poderia ser, em virtude do mandamento contido no art. 5º, º1º da Constituição, e não só ele, mas todas as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.

Utilizando subsidiariamente a lei do Mandado de Segurança, vários MI's já foram interpostos junto ao STF, mas, nem sempre é possível obter resposta no sentido do judiciário materializar o direito através de uma sentença. A Corte Suprema ainda é vacilante ao decidir se deverá concretizar o direito, ou se apenas fará saber ao legislador de sua mora ao providenciar as leis. Infelizmente, a última corrente é a dominante.

Mas, será que o legislador não conhece da sua mora? É realmente indispensável a comunicação do STF ao Congresso de sua mora legislativa? Se o MI não se presta para o que veio, qual sua utilidade? Não se está enxergando o mandamento expresso da aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais? É preciso imprimir a máxima eficácia ao texto constitucional.

A Constituição é um instrumento estabelecedor de direitos que não poderão restar adormecidos pela inércia de nossos parlamentares, tidos como defensores de nossos interesses.

* FRANCISCO JÓRIO BEZERRA MARTINS é mestre em Direito Professor da Unifor do curso de Direito e Ciências Políticas.

Os direitos sociais e a nova hermenêutica constitucional

A nova hermenêutica constitucional tem se empenhado em detectar os direitos sociais como direitos fundamentais da pessoa humana. Interpretar o ordenamento jurídico é a função principal dos juristas, vencendo limitações de ordem técnica em busca de uma compreensão sistêmica do ordenamento jurídico frente aos fenômenos sociais.

Os direitos, essas atribuições conferidas à sociedade via ordem jurídica, são ferramentas capazes de assegurar o cumprimento de deveres e a demanda de direitos, seja nas relações entre os indivíduos, seja nas relações entre o Estado e os indivíduos. Regulando condutas, o Direito é sistema de normas jurídicas que se colocam de forma imperativa em relação às vontades individuais, forçando as pessoas a se submeterem às regras de conduta social, tornando a vida social organizada e obrigando o reestabelecimento da paz e da harmonia todas as vezes que elas sejam turbadas por um conflito de interesses. Entender como se dá essa dinâmica é a atividade profissional dos juristas, é construção educacional dos estudantes de Direito e um dever objetivo do Estado - que aplica essas normas jurídicas.

A lógica subjacente à esta esturura está contida nos princípios jurídicos. Uma das duas espécies de normas, o princípio serve como medida de interpretação das regras jurídicas, tendo em vista os valores sociais que os embasam e que servem de fundamento à correta aplicação das regras juridicas, dentro de um contexto sistêmico do Direito. Assim, a diferença entre um técnico do Direito e um jurista é a limitada abrangência intelectiva do primeiro em relação ao segundo, quando examinam o ordenamento jurídico..

Mas, porque se está a falar em princípios jurídicos num texto sobre direitos sociais? Por uma única e simples razão: os direitos sociais foram positivados valorativamente, no sentido de serem entendidos como direitos fundamentais da pessoa humana. Veja-se o exemplo dado pela Constituição brasileira de 1988: ela erigiu a proteção dos direitos dos trabalhadores à categoria de norma constitucional, como se observa nos arts. 6° e 7° daquele Texto Magno. Mas o Constituinte Originário não agiu "criativamente": os direitos sociais da ordem jurídica brasileira foram estatuídos tendo por modelo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Com efeito, o art. 21 daquele documento internacional coloca os direitos sociais como direitos humanos indispensáveis e inalienáveis, estabelecendo no Ocidente uma tradição que prospera entre as nações ricas até a presente data. A proteção social é um dever a todos os Estados que se comprometeram com aquele documento - que tem valor jurídico reduzido por não conter cláusula com força vinculante (sanção) que obrigue os Estados em sua adoção; a Declaração é qualificada como instrumento de soft law, ou lei branda, exatamente por ter os efeitos de uma carta de recomendação. Mas a Declaração tem o condão de conduzir o intérprete do Direito à compreensão de que os valores ali defendidos são um mínimo, um núcleo fundamental de onde emanam orientações hermenêuticas que se adequem aos ideias das sociedades pós-modernas.

Se o Brasil é, em primeiro lugar, um país-membro, signatário da Declaração, ele assume uma obrigação de ordem moral (coercitiva) na adoção das medidas necessárias a garantir aqueles interesses. Em segundo lugar, torna-se incompreensível qualquer interpretação constitucional que reduza aqueles direitos à condição de direitos mutáveis ou disponíveis, tendo em vista que o cunho valorativo que está associados a eles se reveste de um embasamento jusfilosófico que revela a preocupação na defesa de uma atividade estatal finalísitica que preserve aquela gama de direitos dos interesses avassaladores e aviltantes do capitalismo selvagem. Ainda, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, por meio das Convenções assinadas, revelam que a República elegeu e ainda defende o trabalho como ação mantenedora da dignadade da pessoa humana; diz-se atividade estatal finalísitica porque o Estado deve agir de forma solidária, estabelecendo garantias mínimas para que possa ocorrer um desenvolvimento sustentado, congregando o crescimento econômico com a melhoria do nível de vida social. O trabalho deve ser uma ferramenta de crescimento individual - daí dizer-se que o trabalho dignifica - e deve trazer benefícios à sociedade - pois, sem isso, seria inóqua qualquer atividade humana, visto que desprovida de finalidade e objetivos. Por exemplo: o desenvolvimento tecnológico, por si só, é uma busca científica de resultados empíricos sem uma destinação? É patético e racional, para dizer pouco, que o ser humano cria melhorias e transforma a natureza para sentir-se confortável e seguro e esta é a finalidade última do trabalho: fornecer os subsídios necessários à sobrevivência. Contudo, essa sobrevivência não é plena ou traz felicidade se não for capaz de ser exercida com dignidade. Ora, mas o que vem a ser dignidade? De cunho satisfativo, é o sentimento de que os esforços empregados nas mais diversas áreas de atuação humana são recompensados, dando a cada um aquilo que é seu por merecimento e esforço próprio. Daí a importância de políticas públicas que promovam o acesso dos trabalhadores aos bens necessários à manutenção de sua paz, por meio de um salário justo e de políticas públicas que garantam um emprego - relação de trabalho protegida por lei. Esses são os pontos-chave da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Portanto, verifica-se que há hermenêutica demais e bom senso de menos! Não é preciso ir muito longe para entender os valores que estão sendo protegidos nas normas inscritas na Constituição: elas são um consenso acerca do mínimo necessário à boa convivência, erigidas como normas de conduta basilares que impõem limites à mais valia. O Direito precisa, finalmente, vencer as amarras que o prendem à Economia e se afirmar como uma Ciência Humana, não-exata, que superou a fase em que se encontrava sob o domínio absoluto dos interesses da pouco numerosa classe dominante, convertendo-se numa Ciência Humana Social.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Segregação no Brasil: o entendimento do S.T.F.

Em comemoração ao aniversário de 18 anos da Constituição da República Federativa do Brasil, Carta Política que instituiu nosso Estado social democrático de Direito, publico a ementa de um julgado do Supremo Tribunal Federal (STF: http://www.stf.gov.br), no qual se pode ler decisão que reitera o entendimento daquela Corte, de que o Brasil se comprometeu e cumpre o dever jurídico de proteção dos agrupamentos humanos, em território brasileiro, contra as ameaças do racismo e todas as formas de segregaçno social.

Eis o teor do julgado, in verbis:
"Habbeas Corpus 82424 - Relator(a): Min. MOREIRA ALVES
Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRKA
Julgamento: 17/09/2003 Órgno Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: 19/03/2004
"EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.
1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).
2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa.
3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais.
4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.
5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.
6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo.
7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.
8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.
9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo.
10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam.
11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso.
12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham.
13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.
15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável.
16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada."

A força da mídia e a fraqueza do Estado

Numa sociedade capitalista e democrática que dispõe de aparelhos de comunicação social privados, não comparecer e expressar suas idéias políticas durante um pleito eleitoral é dar um "tiro no próprio pé" com uma bazuca: destruição de todo um trabalho de campanha, certamente. Desde que um desses pseudo-repórteres - um desses que também podem ser chamados, quando for o caso, de pseudo-comunicadores sociais -, criou o jargão "o povo quer saber", automaticamente, tudo aquilo que for economicamente viável e ideologicamente relevante para os detentores da mídia brasileira apresentar ao público se tornou a exata medida do quê "o povo quer saber" - agora, resta dúvida se não teria sido um humorista a utilizar-se da expressão, já em tom de piada sobre esse papelito relevante da mídia privada na vida social.

Em todo caso e de todo jeito, a reeleição presidencial deste ano foi palco da constatação de que qualquer candidato aos cargos de chefia de gabinete no Poder Executivo não pode se eximir da aparição pública oficial e incontornável, toda vez que ela for determinada unilateralmente pelas companhias privadas que executam a venda de "produtos de informação" - chamados carinhosamente de notícias. A mídia brasileira "não brinca em serviço": ela explora essa atividade lucrativa de forma responsável e global, espalhando seu sinal via satélite em todos os "cantos" do planeta e em todo o território nacional. É muito natural que tanto poder - de fato e de direito - possa exercer um controle direto nos rumos democráticos de uma nação, tendo em vista ser a televisão o meio de comunicação de massa mais poderoso - vez que sua inserção é quase absoluta em todas as sociedades, enquanto a Internet ainda "engatinha". A recusa ou a simples não-sujeição da imagem de uma pessoa pública ao escrutínio e julgo da mídia pode ser a sentença de morte de um político e isto justifica ou explica a relação promíscua dos políticos brasileiros com as emissoras de televisão: muitos dos "caciques" políticos brasileiros são proprietários, em seus Estados, de emissoras e distribuidoras de sinais televisivos. Ainda e em tempo, a crescente participação de figuras e personagens do rádio e da televisão nas eleições nacionais revela que, por estarem em contato direto com o povo, através de seus personagens, esses profissionais do entretenimento despontam como aqueles que estariam mais aptos a entender o "imaginário popular" - e é óbvio que estão, já que são eles que criam este imaginário, da forma e na intensidade que vendem seu produto: a imagem in persona.

Daí a explicação possível que pode ser dada ao sonho do atual presidente da República não ter se concretizado no primeiro turno: negligenciar os apelos da mídia, principalmente do grupo Rede Globo, que o intimaram a comparecer ao debate imediatamente anterior ao pleito do dia 01 de outubro. Não se pode esquecer que este grupo midiático sabe muito bem organizar espetáculos televisivos que se mostram decisivos na determinação da escolha política da sociedade brasileira. O melhor exemplo continua a ser o do "quase-impeachment" do ex-presidente e agora senador Fernando Collor de Mello: em 1992, devido à pressão dos meios de comunicação e, principalmente, da Rede Globo de televisão, o Sr. Collor se viu obrigado à renúncia do cargo de Presidente, uma vez que não só a conjuntura política do Congresso Nacional mas, concomitantemente, o telespectador "atento" tiraram toda a sustentação política daquele governo. Esses fenômenos todos associados determinam de forma inequívoca o poder dos meios de comunicação de massa e a sua direta influência na Política.

Numa democracia, o local de uma mídia livre e independente é basilar e estrutura nuclear deste sistema de governo. Na República do Brasil, o direito de liberdade de expressão foi elevado à categoria de direito fundamental e, no tocante ao mesmo direito mas, em outra perspectiva, dos profissionais de comunicação, essa liberdade de expressão de idéias e opiniões ao público é indispensável à existência de uma democracia verdadeira, tendo em vista que o princípio da publicidade tornou-se tão indispensável ao Estado que chega mesmo a atingir os privados e suas relações jurídicas delineadas no Direito Privado. O direito da urbe e do corpo civil em ter acesso às opiniões de seus "investigadores informativos" está associado e interligado ao Estado pós-moderno, influenciando mesmo a direção da vontade geral, expressa por meio das eleições da democracia representativa. Daí o fortalecimento da mídia como um "quarto poder", influenciador da vontade democrática, vez que atinge toda a sociedade e a faz valorar as informações de acordo com as tradições e costumes desse agrupamento político. Ora, se de um lado se vê o fortalecimento da comunicação social, vê-se, pois, do outro, o enfraquecimento da autoridade pública, numa limitação que, em tese, deve ser saudável do ponto de vista político e que põe limite à possibilidade de reaparição do poder pessoal dos governantes e das pessoas que dirigem as funções estatais. Mas, o que ocorre na prática, é uma espécie de "terrorismo democrático", quando as informações publicadas pelos meios de comunicação são atentatórias à lisura e separação entre interesses públicos e privados, tendo a prática quase sempre demonstrado que interesses escusos de grupos econômicos ajudaram a escrever a história da participação dos meios de informação, imprimindo um passado de mentiras, escândalos, negociatas e chantagem na política brasileira. O problema é saber identificar quando uma atuação dessas grandes empresas de comunicação é ou não é prejudicial aos verdadeiros interesses da democracia. Deve-se perguntar e tentar constatar quando determinado tipo de notícia revela, na verdade, vontades e objetivos que muitas vezes ultrapassam as fronteiras nacionais, espelhando grandes negócios a dirigir tanto a escrita, quanto a publicação dessas "notícias". Por exemplo: foi bastante calmo o início do período eleitoral, enquanto se definia o padrão para a televisão digital a ser implantado no Brasil ... ainda é possível encontrar, em alguma revista ou jornal, o sorriso fácil e largo do então ministro Hélio Costa (ex-jornalista de uma das maiores, senão a maior empresa de comunicação brasileira) ao lado de autoridades do Itamaraty.

A ligação entra a mídia e o Poder do Estado é intensa. Assim como as novelas, é possível assistir passivamente os capítulos da política nacional, que é trazida diariamente aos lares de milhões de brasileiros. Se os meios de comunicação querem se comportar como um "quarto poder", que se submetam ao mesmo controle que submetem as instituilções estatais democráticas brasileiras: CPI da mídia? Já viria com certo atraso.