quinta-feira, novembro 20, 2008

O discurso da crise

A "nova" crise econômica global é um problema retórico. Apesar da propaganda que é feita em torno do atual downturn, a recessão econômica anunciada atinge apenas a parcela mais frágil das Sociedades, qual seja, os trabalhadores. Essa é uma análise prática da situação, tendo em vista o bail-out do sistema financeiro e os subsídios conferidos às multinacionais européias e norte-americanas.

Na composição desse cenário, o G20 representa uma reorganização da geopolítica mundial que não significa necessariamente uma democratização do sistema de produção econômica, mas o fortalecimento das atuais estruturas de controle social. Isso porque embora um maior número de países tomem parte nas negociações internacionais sobre as movimentações comerciais e financeiras e isso signifique uma melhoria das condições de produção e comércio, o comando e as diretrizes gerais ainda continuam a ser impostas pelos países do Norte, contra os interesses das populações do Sul. Isso quer dizer que o papel dos irmãos pobres do Sul continua a ser o de produzir para satisfazer as demandas dos irmãos ricos do Norte -- inclusive, com a mantuenção do sistema de classes sociais no interior dos países periféricos e semi-periféricos.

É pertinente ainda afirmar que a globalização cultural remodelou o conceito de classes sociais e diluiu a questão identitária nessa recomposição. Isso significa que a aculturação do novo modelo de organização social é estabelecida através de novas hierarquias no sistema de pertença cultural, deslocando o eixo identitário através do tipo de mensagem/mídia (internet, imprensa, rádio, televisão) e, sendo esta sociedade global uma "sociedade de informação em rede", a antiga exclusão econômica (a nível laboral) agora surge como exclusão tecnológica (a nível informático). Assim, enquanto não forem estabelecidas novas formas de resistência e contra-cultura, não será possível oferecer ações sociais suficientemente fortes, visto que o processo de colonização das novas mídias segue a lógica TOP-DOWN.

A conjugação dos dois fatores acima delineados (econômico e tecnológico) é crucial para perceber porque a atual crise é um falso problema, isto é, uma estratégia discursiva. Primeiro, porque a externalização dos prejuízos financeiros provocados pela expeculação capitalista revela uma socialização do ônus, ou seja, as empresas e agentes econômicos empurram a responsabilidade pelo pagamento das dívidas ao Estado, e este repassa os dividendos ao público, em forma de impostos e aumento da dívida pública. Segundo, porque a recuperação financeira não impede que as empresas e agentes financeiros continuem a garantir lucros e fortalecer posições de monopólio e cartel, como se evidencia nos despedimentos coletivos em nível global e no aumento dos preços ao consumidor. Terceiro e não menos importante é pensar que essas estratégias discursivas são bem sucedidas porque tem a sua disposição as mídias dominantes, sendo certo afirmar que, se a mídia é a mensagem, a mensagem (o conteúdo a ser apreciado e publicamente valorado) será sempre aquilo determinado pelos grandes canais de comunicação global -- sejam eles os grandes portais e/ou os grandes grupos de comunicação multinacionais).

Portanto, o que se pode observar é que a "nova" crise não passa de uma repetição, ou um ciclo dentro de um novo contexto, num mesmo sistema ideológico. A socialização dos prejuízos financeiros causados por bancos e outras instituições, associada à estagflação já anunciada (inflação + queda na produção + desemprego) é um duro golpe contra a democracia, ainda quando se pensa na impunidade e anistia que é dada aos mais ricos, em detrimento do castigo dos mais vulneráveis.

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