Comentário de Antônio T. Praxedes, publicado em resposta ao texto de Mhauro Garcia intitulado "Sobre Legalização do Aborto...", no blog Garfil.
Olá Mhauro,***
muito bom o texto. Penso que ele suscita boas questões para um debate.1º) Vejo que existe a inserção de uma categoria ou elemento de linguagem que não se adequa ao problema: o termo "criança". Na proposta de despenalização do aborto, o que está em jogo é a remoção de um conjunto de células, chamado na Biologia de "zigoto". O zigoto não é uma pessoa, é a "possibilidade de uma pessoa". Foi por esta razão que o Direito e, no caso mais específico, nos Direitos Humanos, utiliza-se o termo "pessoa", que é o sujeito de direitos. Uma pessoa natural é aquela que nasce com vida. Note que são duas condições: nascimento e vida extra-uterina. A remoção do zigoto deve ser feita enquanto ele não chega a ser propriamente um "feto", ou seja, com um conjunto de características humanas, para além do DNA ou código genético. A intervenção, portanto, deve ser feita num óvulo fecundado. Assim, o uso do termo "criança" parece-me minimamente tendencioso, porque traz todo um apelo emocional à questão do aborto.2º) Quanto à paternidade, ela é um direito do homem e de uma criança nascida com vida. Se ela traz questões de ordem financeira, ou não, isso vai depender do juízo de valores na qual uma determinada Sociedade está sedimentada. No Brasil, e mais especificamente no Ceará, por exemplo, já existem decisões judiciais que atribuem à mãe a obrigação do sustento da criança, principalmente levando em consideração sua capacidade econômica e seu potencial para o trabalho.3º) Penso que o problema das drogas é diverso, e incluir nesse debate a pena de morte também é despropositado. Digo isso em função de que, no primeiro caso, trata-se de conduta ou comportamento individual e, nesse aspecto, surgem outras questões, como a proibição do tabaco e do álcool como drogas recreativas (todos sabem que o álcool e o tabaco matam!), e isso faz divergir o debate. No segundo caso, perceba que o aborto clandestino sempre existiu e será a prática a que recorrerão as mães em dificuldades com a gravidez indesejada e esse é problema pertinente, que não pode ser ignorado - as mulheres que recorrem às clínicas clandestinas correm risco de morte, ou seja, não vamos proteger as suas vidas?4º) Tratar o aborto de forma análoga à pena de morte não faz sentido. Pelas mesmas razões acima delineadas, o agente criminoso não deixa de ser pessoa humana porque praticou um delito. Enquanto pessoa, faz juz ao gozo de seus direitos, porque nasceu com vida e, no caso do psicopata, exemplificado no texto, é pessoa com disfunção comportamental, que deve ser sujeita à pena de intervenção e acompanhamento psicológico e, talvez, psiquiátrico.5º) Enquanto libertário, não posso conceber que minha vida pertença ao Estado. Minha vida pertence a mim e eu decido se a compartilho ou não com a Sociedade. A pessoa humana, com capacidade de se autodeterminar não é coisa e, dessa forma, não deve estar sujeita à intervenção de terceiros. E aqui surge um ponto de vista interessante: células são, sim, uma forma de vida. Mas saber quando há o ser humano, isso é uma questão mais elaborada. É por isso que existe a proibição do aborto, quando as células já se desenvolveram ao ponto de formar um feto e, nos países aonde o aborto foi descriminalizado, ainda persiste a proibição da remoção do feto.Por fim, quebrando toda essa seriedade, fico pensando no dia em que proibirão a remoção das bacterias da flora intestinal com o uso de laxantes. Afinal, elas também têm a sua residência em nosso corpo e são elemento comum à condição de humano, mamífero, vertebrado etc...
P.S. - Errei: no item 3º) os temas discutidos são o "problema das drogas" e a "clandestinidade do aborto"; o tema "pena de morte" é abordado no item 4º).
2 comentários:
Meu amigo Torquilho, suas colocações são sempre muito boas.
Contudo, sua tentativa de desqualificar a defesa (rsrsrs, você é um excelente advogado, meu caro!) com o argumento de que outros temas não devem fazer parte da discussão sobre o aborto, acaba por delimitar a questão a ponto de torná-la algo técnico.
O termo criança é a realização posterior da promessa de um feto. O que, por conseqüência, nos remete à evolução da vida ou o que é considerado para o Direito Humano, a formação de uma pessoa. O que difere o Ser humano de outros seres vivos é a inteligência flexionada a qual é formada pela formulação do pensamento como resultado dos sentimentos e emoções. Aqui eu considero que todos os seres têm sua forma de inteligência, mas no Homem, a inteligência é fruto do espírito e indutor deste.
Considere ainda que, para mim, espírito é um agrupamento de motivações e pré-disposições subordinadas aos graus da consciência a procura de realização, as quais respeitam um critério de valores morais, simbólicos e materiais formando um corpo de impulso (veja o artigo Toma o Espírito).
Eis a beleza da vida!
Mas, como não delimitei o aborto ao tempo de vida do feto, penso que a sua legalização permitirá que a ignorância momentânea de uma pessoa prevaleça sobre o direito a esse exercício magnético da experiência humana. As possibilidades serão interrompidas de qualquer forma.
Penso, nesse caso, que em se tratando de um zigoto, talvez seja difícil estabelecer uma regra para a permissão da prática do aborto. Dessa forma, estaremos dizendo quando que tem vida e quando que não tem vida, ou seja, o que é considerado apenas um projeto de vida por ser minúsculo e o que é considerado um Ser vivente. Lembro que aqui, no Brasil, aconteceu um caso muito interessante, mas inverso. Uma criança se formou e nasceu sem o cérebro. Os médicos, por experiências anteriores, deram poucos dias de vida. Qual foi a surpresa, essa criança, até a última reportagem que eu assisti, já estava com dois meses de vida. Incrível! Até hoje não soube se morreu naturalmente. Por isso, falar sobre o que é e sobre o que não é um Ser formado, é algo muito sério e requer discussões como essa.
Ademais, quando envolvo outros temas para tratar do assunto, pretendo, com isso, mostrar o quão é complexo falar de uma possibilidade de vida e uma possibilidade de morte. Os dois lados estão altamente envolvidos em conseqüências inimagináveis. Fazem relações com o que não conseguimos perceber. Só para ter idéia, as drogas não são legalizadas porque nossa imaginação abstrai as suas conseqüências. A respeito da pena de morte e do aborto, os seus desdobramentos são incompreensíveis para a nossa inteligência. Ao mesmo tempo, busco manter um fiel da balança para manter um peso e uma medida para a lógica empregada no raciocínio.
Oi Mhauro,
causa-me confusão imaginar que o tal conjunto de células seja uma pessoa, a não ser que a mãe ou o casal tenham intencionado produzir tal vida. É tudo uma questão de causalidade e intencionalidade.
Ora! Todos os meses, um óvulo desce pelas trompas de falópio e, caso não seja fecundado, vai parar sabe-se lá aonde. O único infortúnio de uma mulher é, na relação sexual, ter esse óvulo acidentalmente fecundado. Aí, neste momento, cria-se uma celeuma sem fim, com todo tipo de argumento poético sobre o porquê de dar continuidade à vida, trazendo toda sorte de infortúnio à mulher (que, ao fim e ao cabo, é quem paga por isso).
Vejo, nisso tudo, uma questão de ordem pragmática. Senão, seria hora de proibir a masturbação, porque, afinal, estaríamos despejando um material precioso, muito útil à evolução espiritual da espécie humana, não acha?
Com um abraço amigo e saudoso,
Antônio.
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