Ontem foi aprovada a nova lei que fixa o salário mínimo. Porém, o novo dispositivo legal contém uma inconstitucionalidade que indica (sinaliza) uma postura autoritária da atual gestão federal, na República brasileira. Sob a desculpa de que o processo legislativo é lento e não alcança a dinamicidade da vida social, o governo conseguiu aprovar uma lei que dá ao Executivo a capacidade de alterar o valor do salário mínimo por meio de Decreto.
Com efeito, o inciso IV do artigo 7º da Constituição federal é claro ao estabelecer que o salário mínimo de ser fixado por lei; "lei" em sentido material, como ato típico e de competência do Poder Legislativo. Qualquer aluno que esteja a iniciar seus estudos diante da dogmática jurídica ou da ciência política entende que a norma constitucional é o fundamento (técnico) de validade das chamadas "normas infraconstitucionais", porque estabelece os critérios de elaboração desse segundo tipo normativo, sendo correto considerá-la como fundamento jurídico-político das leis a ela submetidas.
Diante dessa consideração, não se pode admitir que uma norma infraconstitucinal atinja ou contrarie a norma hierarquicamente superior (que dirige ou estabelece a sua criação e funcionamento). Os congressistas não poderiam, portanto, limitar ou alterar o funcionamento da norma constitucional em questão, senão por meio de uma Emenda Constitucional - norma jurídica típica, destinada às alterações da matéria jurídica comentada. Em que pese alguns poderem comentar que isso seria possível, posto que seria o próprio Legislativo a abrir mão de uma competência constitucional, o caminho mais viável e juridicamente correto seria o da adoção de uma Lei Delegada, que transferi-se à PresidentE a competência para alterar o valor do salário mínimo, conforme regras do art. 61 e sucessivos da Constituição Federal de 1988.
Da forma como foi confeccionada, a lei aprovada ontem (23 de fevereiro de 2011) somente demonstra a falta de confiança do governo federal em sua base aliada, sinalizando em direção a um autoritarismo inesperado (antes mesmo de completar 2 meses de mandato). É conveniente ressaltar, inclusive, que essa classificação (esquerda e direita) depende da posição que os partidos ocupam nos governos brasileiros (oposição e situação), na tradição política brasileira. A quantidade de absurdos que vêm sendo praticados pelos gestores dos partidos da antiga-esquerda equipara-se aos mais comuns desmandos e práticas da direita brasileira: do clientelismo ao parternalismo, do abuso de autoridade ao uso da máquina pública, do nepotismo ao despotismo.
Está na hora de reafirmar os ideais que levaram à democratização do País, antes que as luzes se transformem em trevas, e que se assista ao retrocesso político das ditaduras nascentes da América Latina. Essa é uma tradição que precisa ser combatida pelas forças sociais que atuaram nos bastidores do cenário político nacional e que levaram à mudança ou alternância de poder. O Brasil precisa agir antes que se forme uma nova elite política corrupta e assistencialista neste País.