Tenho visto com pouca perplexidade os recentes ataques ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Mais isso já é lugar comum, vez que são os usuais argumentos contra o movimento popular, que vão desde os puramente legalistas até os mais inapropriados adjetivos - como foi a sua qualificação como "grupo terrorista". De um lado ou de outro, o mais adequeado seria perceber o palco aonde se desenrola a atividade do MST: a questão agrária no Brasil.
Com efeito, qualquer luta popular é uma luta democrática, porque expressa o desejo de participação política. Neste caso, o MST defende um posicionamento de protesto ativo e pragmático pela reforma agrária e sua luta contra o latifúndio. Contudo, essa luta não lhe é exclusiva, pois ela remonta aos tempos coloniais de ocupação das terras litorâneas e expropriação de populações indígenas rumo às terras improdutivas do interior, e entra pela História brasileira quer durante o período de exploração do trabalho escravo dos africanos, quer durante o "regime dos coronéis" (ou os senhores feudais da modernidade) e da política da cerca, até as primeiras promessas de uma reforma agrária já na segunda metade do Século XX.
Entretanto, já caminhamos ao fim da primeira década do Século XXI e pouco se fez no sentido de garantir a propriedade produtiva familiar e de subsistência no Brasil. Pelo contrário, contam-se nos dedos os barões da propriedade latifundiária neste País, que detêm vastas áreas de uma terra que poderiam estar servindo ao bem comum do povo brasileiro. Vale destacar: na origem dos direitos dessa classe "feudal" está a usurpação do legítimo direito à propriedade dos camponeses; usurpação que se deu quer pela tradicional e impune violência, quer através de títulos artificialmente atribuídos durante a Primeira República. O certo é que essa aristocracia latifundiária brasileira possui as ferramentas e os meios para garantir a continuidade de seus privilégios sobre a posse da propriedade agrária; dentre eles, o controle sobre a produção de leis, posto que seus tentáculos se estentem pelas entranhas do Congresso Nacional.
Em tempo, convém explicar que os procedimentos burocráticos e a aproximação legalista que é dada a questão da terra no Brasil apenas agravam e arrastam o problema da concentração de terras e riquezas no País, sendo certo dizer que apenas os movimentos sociais politicamente organizados serão capazes de conduzir a classe política no caminho de alguma mudança pragmática. Nessa construção, a prática de atos considerados ilegais é ainda uma das poucas vias disponíveis, sendo correto afirmar que há um estado de necessidade e de emergência a justificar as invasões praticadas pelos populares: a fome.
Ora. Não há outro meio disponível à população, senão a ilegalidade. Aliás, o Brasil é um país aonde a ilegalidade é o único meio à moradia - quem tiver alguma dúvida que vá pesquisar a origem das favelas e, não só, que veja como é a vida numa delas. Ainda, some-se a isso o fato de que a classe burocrata brasileira sobrevive e locupleta-se através da manutenção de uma legislação propositadamente criada para ser ineficiente - para que se torne possível o jogo político dos favores pessoais, do clientelismo e da corrupção. Assim, não se poderia esperar outra coisas do povo, senão uma batalha diária pela sobrevivência e contra o Estado de Direito brasileiro.
Dito isso, relembremos aos colegas que um Estado de Direito apenas não basta. É preciso que ele seja um Estado Social Democrático de Direito, voltado ao bem estar da população, no qual a Democracia seja efetiva, no sentido de promover a confecção de leis que se adequem às reais necessidades do povo. Não é mais aceitável ouvir o clamor de certos setores sociais - nomeadamente os conservadores e reacionários - que clamam pela manutenção do Estado de Direito em contraposição à tão-esperada Democracia. O protesto pela aplicação cega da lei é um retrocesso grave, aplicado não só contra o Estado Democrático, mas também à própria evolução do conceito e da Teoria do Direito, visto que é amoral.
Portanto e sem assombro, o que percebo disso tudo é que enquanto houver injustiça social no campo e interesse em formação de proletariado nas grandes cidades, haverá muita força e propaganda contra a reforma agrária. Hoje, o principal saco-de-pancadas é o MST, como já foram os trabalhadores durante as reformas que garantiram as normas mínimas do Direito do Trabalho e os estudantes e políticos que lutaram contra a ditadura militar e conquistaram um ordenamento jurídico um pouco mais justo no Brasil. É o processo histórico, imprescindível à construção de um mundo melhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário