Necessariamente, não existem elos de ligação entre a Monarquia e o Fascismo; não há nenhuma indicação de que a forma de governo em questão traga associada a si a expressão do fascismo. Entretanto, uma recente entrevista do pretenso "canditato" a Rei do Brasil chama atenção pela existência de algumas expressões ambíguas - alguns poderão até dizer que foram infelizes. Senão, vamos observar alguns conceitos e sondar, analiticamente, o discurso do tal Rei da República das Bananas.
Contudo, antes de continuar, é preciso dizer que, ao contrário do que pensa o herdeiro da monarquia brasileira, o seu cotidiano não é igual ao dia a dia de mais de 10% da população brasileira (ou paulistana): 1) embora não receba laudêmio, é sustentado por outras pessoas, ou seja, o seu "pão nosso de cada dia" não é fruto de seu trabalho; 2) se mora em bairro nobre, pelo menos está minimamente a salvo da violência urbana e seus olhos não esbarram na miséria dos milhões de paulistanos que com ele co-habitam na grande São Paulo; 3) que lá se diga que as correntes evangélicas no Brasil são um absurdo, tudo bem, mas pensar que o catolicismo é uma espécie de religião melhor do que as outras... aí é demais!
Primeiramente, eis uma simples mas elegante definição de fascismo: "Facismo é uma política ideológica autoritária (...) que considera o indivíduo subordinado aos interesses do Estado, partido ou sociedade como um todo. Os fascistas procuram forjar um tipo de unidade nacional, comummente baseado em (mas não a isso limitado) atributos étnicos, cultural, racial e/ou religiosos. Vários catedráticos atribuem diferentes características ao fascimo, mas os seguintes elementos são vulgarmente suas partes integrais: patriotismo, nacionalismo, estatismo, militarismo, totalitarismo, anti-comunismo, corporativismo, populismo, coletivismo, autocracia oposição ao liberalismo político e econômico" (
Wikipedia em inglês, tradução livre, em 04/03/2008).
Comentar esta concepção de facismo, por si só, daria muito trabalho. O que convém acrescentar é que, a despeito do que já foi dito, este tipo de comportamento político-ideológico é elitista e foi experimentado com "sucesso" (à custa de milhões de vidas) no continente europeu, durante o século XX; foi sobretudo em Itália que um pequeno setor da burguesia conseguiu, através de Benito Mussolini, mobilizar as massas para conquistar um poder absoluto na sociedade italiana (
clique aqui e leia mais sobre este assunto). Ou seja, a par de qualquer afirmação em contrário, o fascismo é uma força que também trabalha ao serviço do capitalismo.
Em segundo lugar, vamos procurar um conceito equilibrado de monarquia: "Uma monarquia, do grego μονος, "um," e αρχειν, "governar" é uma forma de governo no qual o monarca, normalmente uma única pessoa, é o chefe de Estado. Na maioria das monarquias, o monarca detém o controle e o seu título vitalício e transfere as responsabilidades e o poder monárquico a seus filhos ou família, hereditariamente." (
Wikipedia em inglês, tradução livre, em 04/03/2008). Não é preciso alongar muito esse conceito, porque, salvo engano, a história brasileira registrou muito bem o que foi a monarquia nas terras tupiniquins; quando tais fatos não são analisados pela História positivista, mas pela Crítica, é possível delinear como tal sistema funcionou e os abusos que eram cometidos sob tal empreitada política.
Um dos argumentos mais utilizados pelos defensores da monarquia no Brasil é que ela existiria em outros países - do Norte global e super-desenvolvidos - e que esse modelo seria benéfico para o Brasil. Porém, convém que lho diga, esta afirmação é pobre em conteúdo, porque nesses países do Norte: 1) a monarquia é simbólica, ajudando apenas a manter uma tradição cultural nos países nos quais ela é milenar; 2) as decisões políticas são tomadas pelos "políticos profissionais" do liberalismo, o que significa dizer que o Rei entra no palco como bobo da corte para legitimar a decisão que é tomada nas casas legislativas; 3) como herança cultural, o fim da monarquia (mesmo simbólica) é amplamente discutida nesses países, sendo os custos econômicos de manutenção dos "monarcas" (entre aspas, porque não têm qualquer poder sobre o povo) o principal argumento pela sua extinção (ou seja, quem não trabalha, não goza de luxo). Ainda, esse número de monarquias não é nada alto:
"[...] Atualmente, existem 31 monarquias reinando sobre as 45 monarquias soberanas existentes no mundo; a disparidade entre o número de monarquias e de países a ela submetidos é explicada pelo fato de que dezesseis delas pertencem a reinados da Commonwealth - vastas áreas geográficas que incluem reinos transcontinentais do Canadá e Austrália - são reinados separados de um único Soberano em união pessoal; e outra monarquia, Andorra, tem dois co-monarcas não-residentes (francês e espanhol)" (Wikipedia em inglês, tradução livre, em 04/03/2008).
Antes de continuar, existe algo que deve ser ressaltado: o pretenso monarca faz parte da Associação dos Fundadores - grupo dissidente da TFP Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Este último grupo, a TFP acredita (é mesmo uma questão de credo...) que o Humanismo e as revoluções sociais são os eventos responsáveis pela degradação humana: "Tais movimentos e revoluções não constituem senão etapas de uma única Revolução, de cunho
gnóstico e igualitário, que há cinco séculos vem paulatinamente desfigurando e demolindo a Civilização Cristã, outrora florescente, assim como a benfazeja influência da Santa Igreja sobre as nações". Ué?! Eles esqueceram-se dos genocídios e das barbaridades cometidas pela Igreja Católica ao longo dos mil e poucos anos de sua existência? Não convém relembrar o passado, ou relembrar somente "aquilo que interessa" (que no caso é Jesus e os ideais da igreja de Pedro)? Hum... Isso para não falar da xenofobia e velado racismo presente no site da TFP (
quem tiver paciência, que leia, como fiz). Isso para não falar do quase apagado "igualitarismo" transcrito alhures (
fiz questão de destacar): quer dizer, não somos todos iguais?, alguns são melhores que outros?, enfim, não somos todos filhos de Deus, iguais perante o Pai? Hum... A questão é saber em que profundidade Dom Luiz diverge da TFP...
Dito isso, vamos passar à análise das expressões do "canditato a Rei" do Brasil, em entrevista concedida à
Folha de São Paulo (em 04/03/2008) - tentar-se há não colecionar frases fora do contexto, mas sem reproduzir a
entrevista na íntegra.
Folha Online - Então o senhor é contra a Teologia da Libertação. Como é esse trabalho?
Dom Luiz - Escrevo artigos para algumas publicações, faço conferências e palestras. O próprio atual papa [Bento 16] quando era cardeal condenou a Teologia da Libertação, como sendo uma infiltração marxista na teologia católica. Ora, o marxismo é uma filosofia completamente atéia e materialista e não se coaduna com a religião católica. Porque o marxismo não vê no homem uma criatura de Deus com corpo e alma, portanto com necessidades materiais e espirituais e que deve dar "glória a Deus" e com isso trazer felicidade sobre a terra.
Imagino que o repórter que o entrevistou tinha mesmo uma agenda, quando foi tocar numa questão ideológica crucial, quando o assunto é forma de Estado e sistema de Governo: a religião. A despeito do que possam por aí afirmar, os últimos elos entre religião e Poder estatal que ainda sobrevivem são aqueles que pertinem à identidade cultural de um determinado povo; a fé e as coisas do Estado costumam unir-se somente na época das eleições (quando a massa é manipulada pelo discurso da crença). Qual é a questão, neste ponto? É que existe uma grande confusão (mistura) de conceitos na abordagem religiosa do El Rei; o marxismo não é uma teoria religiosa, mas política, econômica e social, que busca a igualdade entre os seres humanos através da partilha de recursos. Talvez, por isso mesmo que a atual ala ultra-direita e conservadora que assumiu o papado católico-romano tenha aberto uma nova sessão de caça às bruxas: a Igreja Católica, mais do que qualquer outra instituição, é defensora da propriedade privada, sendo uma das entidades societais que mais lucra com taxas sobre o uso e ocupação de suas terras (laudêmio, por exemplo). Então, imagine o que aconteceria ao (já lento e capenga) processo de reforma agrário brasileiro se os ideais da "Santa Igreja" reinassem no Brasil... Não se esqueça: Tradição, Família e
Propriedade!
Bem, para finalizar (porque sei qual a dificuldade que sentem com posts muito longos):
Folha Online - Mas o senhor acha que é necessário mudar apenas os personagens ou o sistema político?
Dom Luiz - Eu acho que a monarquia ajudaria enormemente a resolver os problemas. Pelo seguinte: o soberano não é eletivo e, portanto, não está vinculado nem a partidos nem a grupos de interesses e nem a forças econômicas. O seu interesse é o interesse da nação. Por uma razão muito simples: se ele governar bem, quem vai se aproveitar disso é ele mesmo e seus filhos. Se ele governar mal, o castigo cai sobre ele mesmo e seus filhos. Quer dizer, o interesse do soberano e da nação formam um só e não há essa preocupação que há na república da próxima eleição. Isso não existe na monarquia. Mais uma vez eu digo: o interesse do rei e do imperador é uno com o interesse da nação e isso é uma coisa que tem também a capacidade de moralizar toda a política porque ele se torna um exemplo incorrupto e incorruptível para toda a nação. E por via de conseqüência, toda a máquina política a estrutura da nação se torna moralizada. Com isso, os problemas do país se resolvem muito mais facilmente sem que entrem rixas entre partidos políticos ou grupos de interesses. O soberano é um árbitro, é um juiz imparcial que pode ajudar a harmonizar tudo isso.
Essa afirmação levanta as seguintes questões:
1) A hereditariedade e vitaliciedade no cargo são incompatíveis com a democracia. Embora um povo possa escolher este ou aquele modelo de continuidade e renovação do cargo político (através da re-eleição, ou do impeachment e assim por diante), o que parece saudável na democracia é a possibilidade do povo escolher quem governa.
2) Não parece razoável dizer que o interesse do monarca seja o interesse do povo; talvez por isso mesmo que o entrevistado tenha usado a expressão nação. Pelo conceito de nação estabelecem-se distinções étnicas, religiosas, raciais e etc. Qualquer manual de Ciência política traça essa diferença. Qual será a nação brasileira: a branca, a negra, a mestiça, todas elas? Serão somente os ricos, os pobres? Serão apenas os decendentes de portugueses, ou de Europeus? Serão apenas os católicos, ou os espíritas, evangélicos e os adeptos do candomblé também participarão? Então, essa harmonização entre os interesses do Soberano também vai coadunar com o de outras classes sociais e vertentes políticas?
3) Quando Dom João VI fugiu do Brasil, levando toda a riqueza depositada no Banco do Brasil (também fundado por ele, em 1808) de volta com ele para a Europa, o tal antepassado do Sr. Dom Luiz estava demonstrando o que são os interesses e poderes da monarquia: como tudo lhe pertence, inclusive a "nação", tudo é permitido. Cai por terra a questão da incorruptibilidade, vez que a retórica da moralidade então empregada justificou a prática daquilo que hoje pode-se chamar de "apropriação indébita", crime que até o mais camponês poderia cometer, não é verdade?
O que preocupa é que, ao ler a entrevista, na íntegra, um leitor mais diligente e com alguns poucos conhecimentos de História, Direito e Política, pode navegar pelo intranquilo perfil da direita monarquista brasileira. Aí, quem reza é o pobre brasileiro, para que não se repita em solo brasileiro, mais uma vez, o domínio homogênio e hegemônico da direita surda e inescrupulosa, que matou, expatriou e reprimiu as liberdades: de consciência, manifestação, literária, de religião, etc. etc. etc...
Em resumo, o que se pode dizer é que nem na "Casa Real" a loiça está limpa. Embora o El Rei não queira comentar o assunto, existe uma clivagem na tal "família real" em torno da herança do "título". Mas, enfim, quem liga? Essa conversa de príncipe e princesa é coisa de história da Carochinha: pura fantasia.