Pergunto-me qual é a capacidade de alguns em compreender o Direito e empreender uma busca teórica por sua construção cognitiva. Parece-me que, do ponto de vista da experiência, existem quatro (ou mais) fatores que dificultam este aprendizado: 1) incapacidade de interpretação textual; 2) confusão de conceitos; 3) formulação de posicionamentos a partir do conhecimento vulgar; 4) ineficiência do modelo de ensino jurídico. É bem natural que o exame acurado desta problemática associado à contribuição de outros acadêmicos possa elencar uma série de outros fatores que influenciam nesta questão, só que estes, a meu ver, são alguns itens que todos os professores do curso de Direito costumam identificar de imediato. E, ainda, por ser um curso que habilita o estudante ao mercado de trabalho específico dos bacharéis em Direito - por meio dos concursos públicos para cargos na magistratura, defensoria pública, dentre tantos outros, e ao elementar exame de Ordem -, o ensino jurídico é trampolim para a melhoria da qualidade de vida e de trabalho de seus integrantes, o que o torna cobiçado e desejado por muitos.
Se existe um conflito no processo de aprendizado, ele se torna muito mais oblíquo no ensino superior. O professor, durante o ensino fundamental e médio, é o óbice à diversão da meninada. Na Faculdade, ele é o principal "inimigo do aluno" no alcance do sucesso profissional, porque com uma baixa pontuação "que o professor dá", ou o aluno não poderá obter o diploma, ou não conseguirá competir ante às exigências do mercado de trabalho. Ainda, a manutenção da autoridade em sala de aula e a exigência da presença do aluno - estabelecida pelo Ministério da Educação, Cultura e Desporto (MEC) - complicam ainda mais o relacionamento entre essas duas pessoas na abordagem do objeto de estudo. Nas Ciências Humanas, esse conflito e as dificuldades se tornam ainda mais profundas, porque o objeto de análise deve ser submetido à uma diversidade imensa de métodos de observação e leitura, tornando-a não só subjetiva, mas, também, multifacetada - por vezes, são prismas jurídicos, filosóficos, sociológicos, históricos, econômicos, psicológicos e por aí vai. Até avaliar o conhecimento dos estudantes é um constante desafio, tendo em vista que compreender a leitura individual de cada aluno - claro, quando este ser efetivamente pesquisa e estuda o que lhe foi apresentado - poderá ser um incremento constante às aulas expositivas e fomentadores de debates.
O curso de Direito, por exemplo, lida com essa diversidade de métodos, consistindo uma área do saber humano que se dirige por meio do contra-ponto, da discussão, do discurso, do argumento, da retórica. Talvez, uma das mais complexas criações humanas, contém um sistema harmônico, aberto e dinâmico de regras de comportamento, trazendo uma gama enorme de titulares e destinatários dessas normas, ora para realizar a ordem social, ora a econômica, ora a estatal, ora a pública e assim por diante, com normas de natureza pública e privada, de caráter valorativo, prescritivo ou descritivo, com efeitos imediatos e programáticos, de aplicabilidade imediata e dependente de regulamentação posterior, de origem interna e externa. Como adequar este ensino ao calendário de 05 anos de curso? Já no passado, quando as áreas de que se ocupava o Direito eram resumidas um pequeno grupo de normas jurídicas das áreas dogmáticas, de Direito Civil, Penal, Processual (lato sensu), Constitucional (Tributário, Administrativo, Eleitoral, Financeiro) e Comercial, já era tarefa surpreendente apreender o Direito dentro deste tão curto lapso temporal. Com a implementação de normas protetivas das mais diversas áreas do saber humano com o advento de Direito Ambiental, do Consumidor, Direitos Humanos e Bioética, e com o estudo de disciplinas como Ciência política, Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, por mais que se aumente a carga horária dos cursos de Direito, torna-se necessário aumentar o número de anos que o aluno deverá disponibilizar para ter a correta e mais ampla percepção do que se passa neste ramo do saber.
Fico surpreso ao ver o MEC promover as maiores "estripulias normativas", regulamentando os cursos ao redor do País, com o intuito de harmonizar o ensino jurídico, ofendendo muitas vezes a autonomia universitária - que é direito constitucional - e o bom senso - que respeita o interesse que direciona a criação de cursos que atendam os interesses específicos de cada região. Como assim? Primeiro, a autonomia universitária dá liberdade às instituições de ensino superior (IES's) a atribuição de liberdade acadêmica na estruturação das grades curriculares, atendendo diretamente os interesses dos corpos discente (alumni) e docente, num processo democrático sob os auspícios da direção geral e da coordenação de cada curso. Secundariamente, porque cada região tem interesses econônicos e sociais próprios, em que determinada área do conhecimento humano se apresenta como standard para o desenvolvimento regional e local. Por exemplo, corrigir os déficits democráticos no Nordeste, por exemplo, torna imprescindível uma abordagem mais incisiva do Direito público e dos Direitos humanos do quê no Sudeste e Sul do País (aonde a noção de reivindicação, protesto e defesa dos direitos fundamentais está mais presente no dia a dia das populações dessas Regiões). Outrossim, o Direito empresarial e tributário (necessariamente limites ao Poder estatal) e, ainda, o Direito comunitário (evolução do Direito internacional público) são disciplinas que precisam de um maior cuidado no Norte e Nordeste do quê no Sul, Centro-Oeste e Sudeste, ante a aplicação esparsa que cada um desses ramos têm na vivência jurídica dos Tribunais daquelas duas primeiras Regiões.
Qual é o principal objetivo deste texto? Criticar o atual modelo de ensino que é "empurrado goela abaixo" pelo MEC. Porque as divergências culturais e as dificuldades sociais que estão inerentes ao processo de aprendizado necessitam de soluções regionais diferenciadas. É muito mais complicado ensinar Direito internacional no Nordeste, do quê fazê-lo nas Regiões sulistas do Brasil - porque quanto mais perto do Equador, menos se fala outra língua estrangeira, por exemplo, ou menor é o poder aquisitivo e o domínio de (acesso à) tecnologia pela população. E isso se dá não por questões de determinismo geográfico, mas por questões de ordem econômica que são definidas pelo Poder econômico central.
2 comentários:
Torquilho, bacanérrimo seu pensamento. Aproveito a oportunidade para ressaltar que, pelo menos na Comunicação, a problemática também aparece. E não falo somente do que parte do Ministério da Educação, mas da capacidade daqui (ponto determinante para o desenvolvimento da aulas, das produções, do avanço das idéias). O fator cultural é intrisecamente relacionado ao educacional, fora os hábitos regionais, com suas crenças e, infelizmente (por que não?), algumas limitações. Existem escolas preparatórias e mais específicas no ramo da Comunicação nas regiões que ficam mais ao sul do país. O incentivo e as oportunidades de acréscimo cultural - falando aí em números mesmo, já que não acredito em culturas mais ricas - são bem maiores e, em conseqüência, vc encontra um mercado mais rico de possibilidades.
Sobre o ensino superior, penso que o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura deveriam se comunicar mais. São muitas diferenças que, localmente potencializadas, poderiam trazer enormes benefícios para o todo. Claro que é um projeto meio confuso, mas seria uma boa alternativa pelo menos para os destaques regionais.
Oi Ju,
tens razão quando falas nessa integração... No meu tempo de estudante, para você ter uma idéia, estes ministérios "minis-teriosos" (não resisti ao trocadilho) integravam uma coisa só! Hoje, estão separados. Talvez por isso as ações sejam descoordenadas...
Grande abraço,
ATP
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