Muito se fala sobre os gastos do Estado Social e da necessidade de diminuir a participação deste não só nas atividades que desempenha, mas no exercício de regulamentação das atividades privadas. Os fundamentos para essas colocações seriam a sua ineficiência e o desperdício das ações públicas, e a maior habilidade dos privados (leia-se: empresas) na consecução dos serviços e atividades públicas. Porém, por detrás desses argumentos há um não tão evidente interesse na desregulamentação e exclusão do Estado, em favor do poder econômico ou poder das grandes corporações, em detrimento dos interesses sociais.
De fato, uma das maiores críticas que pesa sobre o Estado de Bem-estar Social é aquela que versa sobre o péssimo emprego dos recursos econômicos colocados à disposição do Estado pela Sociedade, arrecadados através da função tributária, e gastos através da intervenção estatal nas atividades econômicas e serviços colocados à disposição do público.
Essas críticas se colocam antagonicamente à tese de que essa estrutura semi-intervencionista estatal possibilitaria uma redistribuição de recursos econômicos, por meio da captação de recursos e respectivos repasses, tanto a nível de infraestrutura econômica - o que promove o desenvolvimento das atividades empresariais, em momentos de crise de investimentos e excesso de liquidez -, e a garantia de serviços mínimos e estratégicos - que dão continuidade e estabilidade à vida social. Seria desse suposto equilíbrio, entre o público e o privado, que surgem os direitos sociais caracterizadores dessa forma de organização político-jurídica.
A hipótese acima ventilada confronta-se com as teorias de não-intervenção da lex publica sobre a lex mercatoria, tendo em vista um conflito de lógicas entre os interesses que seriam realmente "públicos" sobre aqueles que seriam iminentemente "privados". Porém, o que o modelo estatal sob comento preside é a criação de um espaço "social", que se coloca entre essas duas concepções, pela simples noção de que a "riqueza social", compreendidos entre a produção e a moeda, e os bens imateriais, neles inclusos os valores sociais e os objetos culturais, são bens sociais, o que significa dizer que pertencem à Sociedade - o esforço coletivo para a melhoria das condições de vida de todos os membros da Sociedade.
Ora, a ideologia (neo)liberal argumenta que o Estado dito "intervencionista" aumenta o desperdício de recursos naturais e econômicos, diante do problema da corrupção - que estaria inegavelmente ligado à atividade burocrática dos agentes e funcionários públicos. Esse argumento é válido, mas ele não se aplica apenas ao Estado. O desperdício e a ineficiência são sistêmicos: o sistema de produção capitalista pressupõe que as empresas estarão constantemente aumentando a sua produção e lucratividade, expandindo mercados e reafirmando sua posição diante de demandas que também, necessariamente devem se expandir, mesmo que os bens ofertados pelo sistema não sejam úteis ou necessários - como é o caso dos produtos supérfluos. Ainda, a eficiência propugnada por esse discurso existe apenas em modelos ideais de produção, que pressupõem argumentos como a "teoria das expectativas racionais" e os "equilíbrios de concorrência entre os agentes produtivos", que simplesmente não existem na prática - quer pelo comportamento irracional do mercado financeiro especulativo, quer pela existência de deformações concorrenciais (trustes, cartéis e monopólios de mercado). Isso porque a lex mercatoria atende apenas aos interesses do próprio mercado: a ideia de que as forças produtivas seguem uma lógica própria - o eterno apelo à "mão invisível" smithiniana. Ainda, a corrupção não é privilégio de funcionários e agentes públicos, mas um problema humano que, tendo em vista a busca pela satisfação de interesses e pela realização de desejos materiais, atinge a humanidade como um todo - diante de normas éticas, colocadas pelas comunidades, que são em maior ou menor grau desrespeitadas pelos indivíduos, em seu convívio.
Ocorre que, o funcionamento "natural" do mercado, discursivamente falando, apela a dois princípios que seriam caracterizadores da "natureza humana", em função da escassez: o egoísmo e a mesquinhez. De plano, é plenamente discutível se esses são dois valores elementares do ser humano, tendo em vista não a condição gregária do homem, mas mesmo a necessidade de solidariedade entre os indivíduos, para o atingimento de objetivos e interesses comuns - que é empregado, até mesmo, nas mais recentes correntes da gestão empresarial, que colocam o funcionário como um colaborador da empresa, por exemplo. Isso porque, mesmo se forem analisados os argumentos antropológicos da formação das Sociedades (independentemente se foi um acaso, ou força do destino), não há nenhum indício de que a liberdade de cada indivíduo prevaleceu ou prevalece sobre o desejo de igualdade de oportunidades trazido pela solidariedade humana.
Se o sistema for observado de outra perspectiva (ecologia versus economia), vê-se que ele torna necessário que haja um consumo crescente, o que impõe a não durabilidade dos produtos - a procura por bens deve ser exponencialmente positiva, para que seja também crescente a produção - o que pode ensejar a defesa da "eficiência" produtiva, mas não de uma eficiência "ambiental". Nesse sentido, à produção de bens e oferta de serviços está associada a fabricação de desejos (o fetiche da mercadoria), por meio das campanhas de marketing - um processo artificial de produção de necessidades, que deturpa a própria noção de "riqueza social". Além disso, o papel da mídia na criação dessas "falsas necessidades" está estruturado sistemicamente na requisição efetuada pelos produtores de bens e fornecedores de serviços, e não nos clamores de dignidade que advém da Sociedade.
Por fim, basta lembrar que, ao longo dos séculos, o Estado tem sido garantidor dos privilégios inerentes à propriedade, e tem respeitado a liberdade industriosa dos indivíduos que detém o poder econômico. Mas esse poder foi limitado, ao longo das reformas pelas quais tem passado o sistema, quer aquelas relativas exclusivamente à manutenção ideológica que dá suporte ao capitalismo (superestrutura), quer aquelas relativas ao apoio econômico dado à iniciativa privada. No primeiro caso, foi exigido o sacrifício da liberdade absoluta, em nível contratual, por meio de uma melhor proteção contra os abusos inerentes ao exercício do poder econômico. O segundo, a solidariedade exigida de toda a população, através do avanço no patrimônio de capitalistas e trabalhadores, para a manutenção do parque industrial, nos momentos de crise (como é o caso recente do bail out norteamericano, diante da crise financeira de 2008 - causa exclusivamente pelas instituições financeiras que, dentre outras práticas, emitiram títulos podres para capitalizar seus investimentos).
Diante dessas colocações, é preciso compreender que os processos de tomada de decisão jurídico-políticos não podem seguir apenas uma linha diretriz; não se pode privilegiar apenas o discurso da liberdade e da eficiência, nem apenas o da solidariedade e igualdade. O exame acurado da situação do desperdício não é um problema específico do Estado Social, mas um desafio à humanidade, supondo que não prosperará o sistema planificado de produção. Muito menos é salutar ou evidente pensar que o desperdício será solucionado apenas pelas forças econômicas do mercado. Preservar a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho, com os objetivos de defender a soberania produtiva e a melhoria da qualidade de vida da população: eis um sistema equilibrado, que pressupõe a ponderação do jurista na escolha da melhor ética.
*
Antônio T. Praxedes é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito, na Universidade de Fortaleza, e do curso de graduação em Direito, na Faculdade Christus.
*
Antônio T. Praxedes é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito, na Universidade de Fortaleza, e do curso de graduação em Direito, na Faculdade Christus.