quinta-feira, dezembro 31, 2009

O diálogo num mundo de absolutos

Do grego dialogesthai, diálogo significa numa tradução bruta "através da conversa". Mas essa brutalidade revela radicalmente o significado do termo. É "através da conversa" que se estabelece precariamente a tolerância e com profundidade a aceitação. Porém, num mundo de absolutos o diálogo perde a sua força, porque a homogeneidade impõe-se como a única alternativa.

O que significa o diálogo num mundo de absolutos. Aliás, o que é este mundo de absolutos?


Penso que falar em tolerância e aceitação nos torna capazes de identificar e descrever a falência do diálogo num mundo de absolutos. Poderia exemplificar, inicialmente, através da análise das decisões políticas em torno da Economia ou da melhor forma de organizar a dinâmica produção-consumo. Poderia ainda gastar algumas poucas linhas para demonstrar como o imperativo da proteção ao meio ambiente é postergado pela arrogância das grandes potências industriais. Gostaria de falar sobre a intolerância entre os povos, da negação do outro através da alienação, do distanciamento e do individualismo. Mas seria em vão, porque a questão é tanto menos pragmática, quanto de mais difícil solução.

Contudo, pode-se abordar a questão por uma via transversa, descrevendo-se os processos de aculturação através da homogeneisação. Num mundo de absolutos, ser humano significa homogeneisar-se com o todo, através da cultura, do consumo padronizado e dos modelos sociais ditos/pensados como "perfeitos". Nesse contexto, o dialogar assume posição secundária, tendo em vista que o individualismo totaliza o indivíduo através da cultura, submetendo-o de forma dócil e mansa num regime de coletivização-individualisante.

Explicando melhor. No plano das idéias, o ser é considerado como unidade indivisível, repetindo-se o "mantra" da individualidade, da auto-afirmação, da liberdade (lato sensu), no qual esse indivíduo se afirma enquanto pessoa. No plano das práticas sociais, esse indivíduo assume um papel social dentro de um determinado grupo ao qual pertence, de acordo com as "etiquetas": consumidor, trabalhador, rico, pobre, jovem etc. Até aí, nada de novo. Entretanto, esse individualismo não confere individualidade (diferendo), posto que essas etiquetas estabelecem quais são os padrões de comportamtento nessas classes; os indivíduos não se diferenciam mas, antes, estabelecem critérios de auto-reconhecimento e imitação, sendo correto dizer que é nisto que se baseia a própria cultura (ou "aquilo que se cultiva").

Ocorre que a cultura contemporânea é a do consumo em massa, com centros de produção culturais que se afirmam como hegemônicos em relação à periferia. E é neste ponto que surgem os maiores desafios. Surgem os absolutos e eles se contrapõem essencialmente às particularidades. Agora sim, os exemplos: o ausente, ou quando muito, precário diálogo entre o judaísmo e o islamismo; o diálogo entre a sociedade civil e os governos (mesmo os democráticos, posto que representativos); o diálogo intercultural e a preferência pela cultura endógena ou alienista. Num mundo de absolutos, todos esses processos dialógicos são autofágicos, posto que excluem-se mutuamente.

Contemplando a questão por esse prisma, coloca-se: como criar uma forma dialógica para um mundo globalizado? Como evitar um novo processo de totalitarização, reconhecendo, inclusive, os "erros do passado recente"?